Velha Infância...* 39
Nascemos em épocas próximas. Você primeiro, eu depois de alguns poucos
anos. Olhamo-nos
pela primeira vez na praça, em uma manhã de sol, eu de
fraldas dentro de um carrinho de bebê, e você, travesso, já corria, feliz pela
façanha de saber andar.
Eu, uma menina de tranças e saia plissada, quietinha observava o torneio
esportivo de Handebol, naquele domingo festivo - dois colégios mistos
disputavam - o meu de freiras, e o seu marista, e você lá...Nem me notara,
ainda.
Na matinê dançante, você uma graça de rapaz, todas as meninas querendo
dançar... E eu, me sentindo um patinho feio, nem sabia como chegar perto,
somente me restava olhar para você.
Sentei-me a um cantinho do imenso salão, e ali me quedei de olhos
fechados a ouvir a linda canção "Na festa dos seus quinze anos"...
Quando naquele exato, e mágico momento, senti sua mão apertar a minha e
suavemente me carregar para dançar...
E assim dançamos corpos colados, até o nascer da lua cheia. Você
sussurrando ao meu ouvido: "Flor menina, flor perfumada, quer namorar
comigo?"
Não foi possível responder, o momento encantador foi quebrado, pela voz
severa da freira, me chamando, e assim retornei para o dormitório do internado.
E me restou somente sonhar com meu príncipe dançarino. Meu primeiro amor...
As aulas recomeçaram, e eu não conseguia ver você, havia um alto e
austero muro, separando-nos.
Corri desesperada para o jardim - e na árvore frondosa gravei a letra A
e não satisfeita, despetalei todas as flores que encontrei: "mal-me-quer,
bem-me-quer", quase devastando todo o vergel.
Aquele sentimento que dominava meus dias não conseguia arrancá-lo fora
de mim, foi então que tive uma ideia de escrever uma cartinha, e que ao final
virou um poema -"era só desejo", mas você nunca soube e nem leu, e a
poesia perdeu-se no torvelinho da vida, o poema metamorfoseou-se inédito,
duplicou-se em centenas de outros.
Teria sido doce loucura de amor? Platônico? Ou profano?
Tempos difíceis aqueles!
Anos se passaram, décadas!
Eis que reencontro você... Um reencontro no espaço-tempo tão diferente
das ruas, das árvores e dos belos igarapés...
Agora somos lobo e loba e finalmente dançaremos a dança completa da
paixão. Revelando então toda a minha poética sedutora. Eu e você: combinação
quase-perfeita.
Dançamos... E dançamos, dançaremos até nossos corpos se cansarem. E
quando no tempo "nossa velha infância" se acabar, na eternidade
restará a doce melodia de nossas almas.