domingo, 17 de março de 2019


Velha Infância...* 39
Nascemos em épocas próximas. Você primeiro, eu depois de alguns poucos anos. Olhamo-nos
pela primeira vez na praça, em uma manhã de sol, eu de fraldas dentro de um carrinho de bebê, e você, travesso, já corria, feliz pela façanha de saber andar.
Eu, uma menina de tranças e saia plissada, quietinha observava o torneio esportivo de Handebol, naquele domingo festivo - dois colégios mistos disputavam - o meu de freiras, e o seu marista, e você lá...Nem me notara, ainda.
Na matinê dançante, você uma graça de rapaz, todas as meninas querendo dançar... E eu, me sentindo um patinho feio, nem sabia como chegar perto, somente me restava olhar para você.
Sentei-me a um cantinho do imenso salão, e ali me quedei de olhos fechados a ouvir a linda canção "Na festa dos seus quinze anos"... Quando naquele exato, e mágico momento, senti sua mão apertar a minha e suavemente me carregar para dançar...
E assim dançamos corpos colados, até o nascer da lua cheia. Você sussurrando ao meu ouvido: "Flor menina, flor perfumada, quer namorar comigo?"
Não foi possível responder, o momento encantador foi quebrado, pela voz severa da freira, me chamando, e assim retornei para o dormitório do internado. E me restou somente sonhar com meu príncipe dançarino. Meu primeiro amor...
As aulas recomeçaram, e eu não conseguia ver você, havia um alto e austero muro, separando-nos.
Corri desesperada para o jardim - e na árvore frondosa gravei a letra A e não satisfeita, despetalei todas as flores que encontrei: "mal-me-quer, bem-me-quer", quase devastando todo o vergel.
Aquele sentimento que dominava meus dias não conseguia arrancá-lo fora de mim, foi então que tive uma ideia de escrever uma cartinha, e que ao final virou um poema -"era só desejo", mas você nunca soube e nem leu, e a poesia perdeu-se no torvelinho da vida, o poema metamorfoseou-se inédito, duplicou-se em centenas de outros.
Teria sido doce loucura de amor? Platônico? Ou profano?
Tempos difíceis aqueles!
Anos se passaram, décadas!
Eis que reencontro você... Um reencontro no espaço-tempo tão diferente das ruas, das árvores e dos belos igarapés...
Agora somos lobo e loba e finalmente dançaremos a dança completa da paixão. Revelando então toda a minha poética sedutora. Eu e você: combinação quase-perfeita.
Dançamos... E dançamos, dançaremos até nossos corpos se cansarem. E quando no tempo "nossa velha infância" se acabar, na eternidade restará a doce melodia de nossas almas.

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